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© Herberto Smith |
viagem_Não há muitas coisas para dizer sobre uma viagem para além de que ela começa antes de começar. Assim é a história da vida do Acaso, segundo filho de um Pai que já tinha feito luto pelo primeiro, nasceu quase que órfão. Chamo-me Salvador Acaso e não sei bem que idade tenho. Pelo espelho acho-me com 38 anos agora mas isso não me preocupa na minha apresentação hoje de manhã pela primeira vez naquela padaria. Entrando pela porta fechada mas com sinal de aberto afixado desabotoei os muitos botões da casaca que nesse dia decidi usar. Era frio e amplo o espaço, ao fundo do balcão de mármore a mulher de gorda um pouco olhava-me como primeira vez que me via em desconfiança. Estava agora junto a ela, mais ou menos a um braço de a agarrar e de a fazer conhecer-me em todo e num instante, mas não era esse o ponto objectivo que ali me tinha trazido, transportado pelo 732. Tanta viagem para comprar um carcaça pensaria ela se assim me tivesse apresentado, mas nada disso sucedia, apenas a espera interminável por um bom dia me fez estancar à mão de a semear. Conversava com uma vizinha, provavelmente daquelas que apesar de viver em sua própria casa habitava todas as outras casas da rua e outras até mais longínquas. Dona Virginia sustentou aquela conversa sobre o preço das coisas que nos alimentam, respondendo sempre Isto nunca esteve tão mal, No meu tempo o povo saía à rua e resolvia tudo à foiçada e gadanhada, Se eu ainda tivesse forças e este reumático não me impedisse os passos ía à manifestação. Com mãos e peso nelas ao balcão Dona Virgínia fez-me esperar pela pergunta até não poder mais Bom dia. Ambas olharam para este pequeno insulto cortante de conversas, para quem tem tempo para elas, reparando em mim por detrás da minha voz. Pararam e em pausa esperaram a continuação das minhas reticências… da boca nada me saiu.
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