![]() |
© Herberto Smith |
anos_Tantos depois ali estava ela novamente. Já não era nova nem velha a Júlia, mas a minha reacção tímida mantinha-se como exactamente dantes, não conseguia olhar para ela. O tempo tinha parado e tantos e tantos anos depois reuni forças para não ficar calado. Tantas viagens, tantas pessoas, tantas experiências para conseguir um Olá Júlia. Olá Salvador. Estou agora no sofá do Antero que me conta que muitas coisas aconteceram entre a chegada da Júlia à nossa mesa no Furão e o momento em que me sentei naquele sofá. Nada. Não me lembro de nada. Da única vez que desmaiei na minha vida foi assim. Estou em ponto A e de seguida estou em ponto B, da viagem C que fiz entre ambos os pontos o meu cérebro não registou nada. O Antero continua a contar-me da conversa acontecida em que o Pires e o Juvenal insistiram que ela se sentasse na nossa mesa, em que ele próprio Antero lhe perguntou pelo marido e pelos dois filhos de 9 e 4 anos respectivamente, de como ela lhes mostrou prontamente fotografias recentes de ambos, de como o Pires falou da paixão adolescente que tinha tido pela mãe dela, de como ela se riu e sem mágoa admitiu a falta que a mãe falecida um ano antes lhe fazia, de como até o Sr. Antunes do Furão lhe veio trazer o frango assado para ela levar para o marido que trabalhava em casa na garagem num projeto qualquer para exportação de móveis. Nada. Não fui capaz de dizer nada. Vinte anos antes ela teria insistido comigo para que falasse, teria-me levado para fora do restaurante e entrado directamente no pinhal sempre a contar-me histórias sobre as pedras os caminhos e as árvores que outros antes de nós ali tinham plantado. Nada. Nada disso aconteceu e eu sentia-me agora e de novo o puto desinteressante da camioneta da rodoviária nacional com cheiro a sande de panado. Ouvido tudo, estava finalmente pronto para contar ao Antero a razão pela qual tinha voltado ali tantos anos depois, exatamente no meu próprio dia de anos. O Antero sentiu isso mesmo e foi buscar a garrafa que mantinha escondida atrás da cómoda. Dois copos, garrafa aberta, o Antero sentava-se Bom, diz lá rapaz, o que te trouxe aqui hoje?
No comments:
Post a Comment