Friday, February 1, 2013

09_Júlia


© Herberto Smith
júlia_Desligada do telefone olha para a fotografia que tem em cima da mesa de cabeceira. Mãe! Entra no quarto o primeiro dos seus dois pequenos filhos. Diz João. O pai disse para te perguntar onde está o fato de macaco azul. Sorrindo com o mesmo sorriso de há nove anos segura na mão do filho e diz-lhe: João tu já és um homem não és? Claro, mãe, sou o teu homenzinho, rindo de orgulho como sempre que repetia a frase solicitada. Então preciso que vás à garagem e no roupeiro por cima da mesa do pai, na caixa de cartão branca da esquerda, encontres uma caixinha que tem escrito numa etiqueta “coisas”. Trazes essa caixinha à mãe? Claro, mãe. Começando a postura de corrida saltitante que o caracterizava, Júlia interrompe-o, sem perder a compostura de quem ama mas quer educar. Não te estás a esquecer de nada? Sim, tenho de ter muito cuidado a subir o escadote, que já é velhote… E?! João, a saltitar no entusiasmo de cumpridor de tarefas faz o esgar da interrogação típica dos seus nove anos. E?! Insiste Júlia. E, não te esqueças de levar o fato de macaco azul do pai. Onde? Em cima da cama a olhar para ti. João ri, agarra o fato de macaco, coloca a postura de corrida e sem se poder contar até 2, já está pelo corredor a correr em direção à garagem, onde o pai o espera. Júlia tem “coisas” para relembrar e precisa de uma pausa na sua atarefada lavagem, engomagem e arrumagem diária de coisas. Mas estas “coisas” são outras coisas e cabem todas numa pequena caixa com etiqueta, que entra agora no quarto pelas mãos do seu filho João. Foste rápido. Sim, o Pai pediu-me outro recado. Pediu-me para ir com ele buscar o Toninho, posso? Podes, João. Sem marido ou filhos em casa, Júlia pode agora virar a fotografia dos quatro na mesa de cabeceira e abrir a caixinha de “coisas” fechadas à vinte anos. De barriga para cima e de costas bem assentes naquele colchão fazedor de coisas de família, Júlia pode fazer uma coisa que não fazia há demasiado tempo, ali, audivelmente e à luz do dia. Sem nada para lavar, engomar ou arrumar Júlia volta a ter 18 anos e a chorar por “coisas” de há vinte anos atrás.



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