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© Herberto Smith |
sangue_Nada a não ser sangue em mãos fechadas num objecto contundente enchia o enquadramento do que era possível ver. Um enorme clarão vermelho passou a controlar a máquina do tempo que ecoava em longe daquele pequeno anexo de casa própria. Nem o tempo nem a imagem conseguiam apagar o cheiro ferroso que oxidava tudo na divisão quatro paredes sem janelas Visto de cima, como num filme, a linha de luz que invadia a frincha através do estuque do teto iluminava cirurgicamente o sobrolho que, em câmara lenta, chocava agora com o cimento do chão. Regressado a 1981 Chegou ao pé do Pai e abriu as mãos assim (5+5) Sr. Pai, tem aqui os meus 10 dedos, nenhum é igual Lá porque o meu irmão fez o que fez Não quer dizer que eu o repita. Nesse preciso momento o Acaso renasceu. Regressar a esse preciso momento de nascimento fê-lo sorrir, com novo tipo de músculo Apesar de totalmente escuro, o seu sorriso iluminava a divisão destacando-a como moldura de museu num quadro acabado de pintar Acaso descobrira o elixir da juventude e agora voltava a sentir-se vivo Não se sentia assim há mais de vinte anos Então o clarão branco cobriu tudo, nem tempo indicativo nem mais-que-perfeito faziam sentido neste clarão. O branco preenchia toda a existência de Acaso. Perdido no tempo Acaso sentiu-se embalado entre o inspirar e o expirar. Estava agora a caminho do chão junto à sua primeira vítima. No chão e sem sentido de tempo ou posição de conforto adormeceu. Lado a lado vítima, Acaso e sangue já não ouvem a pá francesa a chegar sonoramente ao cimento.